sexta-feira, 30 de maio de 2014

Evangelii Gaudium

Desafios das culturas urbanas
71. A nova Jerusalém, a cidade santa (cf. Ap 21, 2-4), é a meta para onde peregrina toda a huma19
nidade. É interessante que a revelação nos diga que a plenitude da humanidade e da história se
realiza numa cidade. Precisamos de identificar a cidade a partir dum olhar contemplativo, isto é,
um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A
presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efectuam para encontrar
apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos promovendo a solidariedade, a fraternidade,
o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa de ser criada, mas
descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda
que o façam tacteando, de maneira imprecisa e incerta.
72. Na cidade, o elemento religioso é mediado por diferentes estilos de vida, por costumes ligados
a um sentido do tempo, do território e das relações que difere do estilo das populações rurais.
Na vida quotidiana, muitas vezes os citadinos lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-se
um sentido profundo da existência que habitualmente comporta também um profundo sentido
religioso. Precisamos de o contemplar para conseguirmos um diálogo parecido com o que o Senhor
teve com a Samaritana, junto do poço onde ela procurava saciar a sua sede (cf. Jo 4, 7-26).
73. Novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias humanas onde o cristão já
não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas recebe delas outras linguagens, símbolos,
mensagens e paradigmas que oferecem novas orientações de vida, muitas vezes em contraste
com o Evangelho de Jesus. Uma cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade. O Sínodo
constatou que as transformações destas grandes áreas e a cultura que exprimem são, hoje, um
lugar privilegiado da nova evangelização. Isto requer imaginar espaços de oração e de comunhão
com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas. Os
ambientes rurais, devido à influência dos mass-media, não estão imunes destas transformações
culturais que também operam mudanças significativas nas suas formas de vida.
74. Torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com
Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais. É necessário
chegar aonde são concebidas as novas histórias e paradigmas, alcançar com a Palavra de Jesus
os núcleos mais profundos da alma das cidades. Não se deve esquecer que a cidade é um âmbito
multicultural. Nas grandes cidades, pode observar-se uma trama em que grupos de pessoas
compartilham as mesmas formas de sonhar a vida e ilusões semelhantes, constituindo-se em
novos sectores humanos, em territórios culturais, em cidades invisíveis. Na realidade, convivem
variadas formas culturais, mas exercem muitas vezes práticas de segregação e violência. A Igreja
é chamada a ser servidora dum diálogo difícil. Enquanto há citadinos que conseguem os meios
adequados para o desenvolvimento da vida pessoal e familiar, muitíssimos são também os “nãocitadinos”,
os «meio-citadinos» ou os «resíduos urbanos». A cidade dá origem a uma espécie de
ambivalência permanente, porque, ao mesmo tempo que oferece aos seus habitantes infinitas
possibilidades, interpõe também numerosas dificuldades ao pleno desenvolvimento da vida de
muitos. Esta contradição provoca sofrimentos lancinantes. Em muitas partes do mundo, as cidades
são cenário de protestos em massa, onde milhares de habitantes reclamam liberdade, participação,
justiça e várias reivindicações que, se não forem adequadamente interpretadas, nem pela
força poderão ser silenciadas.

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