quarta-feira, 4 de junho de 2014

Evangelii Gaudium


83. Assim se gera a maior ameaça, que “é o pragmatismo cinzento da vida quotidiana da Igreja, no
qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se deteriorando
e degenerando na mesquinhez”. Desenvolve-se a psicologia do túmulo, que pouco a pouco
transforma os cristãos em múmias de museu. Desiludidos com a realidade, com a Igreja ou consigo
mesmos, vivem constantemente tentados a apegar-se a uma tristeza melosa, sem esperança,
que se apodera do coração como “o mais precioso elixir do demónio”. Chamados para iluminar e
comunicar vida, acabam por se deixar cativar por coisas que só geram escuridão e cansaço interior
e corroem o dinamismo apostólico. Por tudo isto, permiti que insista: Não deixemos que nos
roubem a alegria da evangelização!

Não ao pessimismo estéril

84. A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Os males do
22
nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como desculpa para reduzir a nossa entrega
e o nosso ardor. Vejamo-los como desafios para crescer. Além disso, o olhar crente é capaz de
reconhecer a luz que o Espírito Santo sempre irradia no meio da escuridão, sem esquecer que,
“onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). A nossa fé é desafiada a entrever
o vinho em que a água pode ser transformada, e a descobrir o trigo que cresce no meio do joio.
Cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II, apesar de nos entristecerem as misérias do nosso
tempo e estarmos longe de optimismos ingénuos, um maior realismo não deve significar menor
confiança no Espírito nem menor generosidade. Neste sentido, podemos voltar a ouvir as palavras
pronunciadas pelo Beato João XXIII naquele memorável 11 de Outubro de 1962: “Chegamnos
aos ouvidos insinuações de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande
sentido de discrição e moderação. Nos tempos actuais, não vêem senão prevaricações e ruínas.
[...] Mas a nós parece-nos que devemos discordar desses profetas de desgraças, que anunciam
acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo. Na ordem presente
das coisas, a misericordiosa Providência está-nos levantando para uma ordem de relações
humanas que, por obra dos homens e a maior parte das vezes para além do que eles esperam, se
encaminham para o cumprimento dos seus desígnios superiores e inesperados, e tudo, mesmo
as adversidades humanas, converge para o bem da Igreja”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário