37.
Esta é a razão pela qual muitos estudiosos de nossa época sustentam que a
realidade traz
inseparavelmente
uma crise do sentido. Eles não se referem aos múltiplos sentidos parciais que
cada
um
pode encontrar nas ações cotidianas que realiza, mas ao sentido que dá unidade
a tudo o que
existe
e nos sucede na experiência, e que os cristãos chamam de sentido religioso.
Habitualmente,
este
sentido se coloca a nossa disposição através de nossas tradições culturais que
representam a
hipótese
de realidade com que cada ser humano pode olhar o mundo em que vive. Em nossa
cultura
latino-americana
conhecemos o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular
desempenha,
especialmente a devoção mariana, que conseguiu nos persuadir de nossa comum
condição
de filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos, não obstante
as
diferenças
sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo.
38.
No entanto, devemos admitir que também esta preciosa tradição começa a se
diluir. A maioria
dos
meios de comunicação de massa nos apresentam agora novas imagens, atrativas e
cheias de
fantasia.
Ainda que todos saibam que elas não podem mostrar o sentido unitário de todos
os fatores
da
realidade, oferecem ao menos o consolo de ser transmitidas em tempo real, ao
vivo e direto, com
atualidade.
Longe de preencher o vazio produzido em nossa consciência pela falta de um
sentido
unitário
da vida, em muitas ocasiões a informação transmitida pelos meios só nos
distrai. A falta de
informação
só se resolve com mais informação, retro-alimentando a ansiedade de quem
percebe
que
está em um mundo opaco o qual não compreende.
39.
Este fenômeno talvez explique um dos fatos mais desconcertantes e originais que
vivemos no
presente.
Nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração à outra com a
mesma
fluidez
que no passado. Isso afeta, inclusive, esse núcleo mais profundo de cada
cultura, constituído
pela
experiência religiosa, que parece agora igualmente difícil de ser transmitido
através da
educação
e da beleza das expressões culturais, alcançando até mesmo a própria família
que, como
lugar
do diálogo e da solidariedade inter-geracional, havia sido um dos veículos mais
importantes da
transmissão
da fé. Os meios de comunicação invadiram todos os espaços e todas as conversas,
introduzindo-se
também na intimidade do lar. Ao lado da sabedoria das tradições, em competição,
localizam-se
agora a informação de último minuto, a distração, o entretenimento, as imagens
dos
vencedores
que souberam usar a seu favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de
prestígio
e
estima social. Isso faz com que as pessoas busquem denodadamente uma
experiência de sentido
que
preencha as exigências de sua vocação, ali onde jamais poderão encontrá-la.
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