segunda-feira, 9 de junho de 2014

DOCUMENTO DE APARECIDA CAPITULO 02 EM PARTES



37. Esta é a razão pela qual muitos estudiosos de nossa época sustentam que a realidade traz
inseparavelmente uma crise do sentido. Eles não se referem aos múltiplos sentidos parciais que cada
um pode encontrar nas ações cotidianas que realiza, mas ao sentido que dá unidade a tudo o que
existe e nos sucede na experiência, e que os cristãos chamam de sentido religioso. Habitualmente,
este sentido se coloca a nossa disposição através de nossas tradições culturais que representam a
hipótese de realidade com que cada ser humano pode olhar o mundo em que vive. Em nossa cultura
latino-americana conhecemos o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular
desempenha, especialmente a devoção mariana, que conseguiu nos persuadir de nossa comum
condição de filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos, não obstante as
diferenças sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo.
38. No entanto, devemos admitir que também esta preciosa tradição começa a se diluir. A maioria
dos meios de comunicação de massa nos apresentam agora novas imagens, atrativas e cheias de
fantasia. Ainda que todos saibam que elas não podem mostrar o sentido unitário de todos os fatores
da realidade, oferecem ao menos o consolo de ser transmitidas em tempo real, ao vivo e direto, com
atualidade. Longe de preencher o vazio produzido em nossa consciência pela falta de um sentido
unitário da vida, em muitas ocasiões a informação transmitida pelos meios só nos distrai. A falta de
informação só se resolve com mais informação, retro-alimentando a ansiedade de quem percebe
que está em um mundo opaco o qual não compreende.
39. Este fenômeno talvez explique um dos fatos mais desconcertantes e originais que vivemos no
presente. Nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração à outra com a mesma
fluidez que no passado. Isso afeta, inclusive, esse núcleo mais profundo de cada cultura, constituído
pela experiência religiosa, que parece agora igualmente difícil de ser transmitido através da
educação e da beleza das expressões culturais, alcançando até mesmo a própria família que, como
lugar do diálogo e da solidariedade inter-geracional, havia sido um dos veículos mais importantes da
transmissão da fé. Os meios de comunicação invadiram todos os espaços e todas as conversas,
introduzindo-se também na intimidade do lar. Ao lado da sabedoria das tradições, em competição,
localizam-se agora a informação de último minuto, a distração, o entretenimento, as imagens dos
vencedores que souberam usar a seu favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de prestígio
e estima social. Isso faz com que as pessoas busquem denodadamente uma experiência de sentido
que preencha as exigências de sua vocação, ali onde jamais poderão encontrá-la.

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