domingo, 4 de maio de 2014

EVANGELLI GAUDIUM

Uma eterna novidade

11. Um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova
alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora. Na realidade, o seu centro e a sua essência são
sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado.
Ele torna os seus fiéis sempre novos; ainda que sejam idosos, “renovam as suas forças. Têm asas
como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer” (Is 40, 31). Cristo é a “Boa-Nova
de valor eterno” (Ap 14, 6), sendo “o mesmo ontem, hoje e pelos séculos” (Heb 13, 8), mas a sua
riqueza e a sua beleza são inesgotáveis. Ele é sempre jovem, e fonte de constante novidade. A
Igreja não cessa de se maravilhar com a “profundidade de riqueza, de sabedoria e de ciência de
Deus” (Rm 11, 33). São João da Cruz dizia: “Esta espessura de sabedoria e ciência de Deus é tão
profunda e imensa, que, por mais que a alma saiba dela, sempre pode penetrá-la mais profundamente”.
Ou ainda, como afirmava Santo Ireneu: “Na sua vinda, [Cristo] trouxe consigo toda a
novidade”. Com a sua novidade, Ele pode sempre renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e
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a proposta cristã, ainda que atravesse períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece.
Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-Lo,
e surpreende-nos com a sua constante criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte
e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras
formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo
actual. Na realidade, toda a acção evangelizadora autêntica é sempre “nova”.
12. Embora esta missão nos exija uma entrega generosa, seria um erro considerá-la como uma
heróica tarefa pessoal, dado que ela é, primariamente e acima de tudo o que possamos sondar e
compreender, obra de Deus. Jesus é “o primeiro e o maior evangelizador”. Em qualquer forma de
evangelização, o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e impelir-
nos com a força do seu Espírito. A verdadeira novidade é aquela que o próprio Deus misteriosamente
quer produzir, aquela que Ele inspira, aquela que Ele provoca, aquela que Ele orienta
e acompanha de mil e uma maneiras. Em toda a vida da Igreja, deve-se sempre manifestar que a
iniciativa pertence a Deus, “porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19) e é “só Deus que faz crescer”
(1 Cor 3, 7). Esta convicção permite-nos manter a alegria no meio duma tarefa tão exigente
e desafiadora que ocupa inteiramente a nossa vida. Pede-nos tudo, mas ao mesmo tempo dá-nos
tudo.
13. E também não deveremos entender a novidade desta missão como um desenraizamento,
como um esquecimento da história viva que nos acolhe e impele para diante. A memória é uma
dimensão da nossa fé, que, por analogia com a memória de Israel, poderíamos chamar “deuteronómica”.
Jesus deixa-nos a Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos introduz cada
vez mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o horizonte da
memória agradecida: é uma graça que precisamos de pedir. Os Apóstolos nunca mais esqueceram
o momento em que Jesus lhes tocou o coração: “Eram as quatro horas da tarde” (Jo 1, 39).
A memória faz-nos presente, juntamente com Jesus, uma verdadeira “nuvem de testemunhas”
(Heb 12, 1). De entre elas, distinguem-se algumas pessoas que incidiram de maneira especial para
fazer germinar a nossa alegria crente: “Recordai-vos dos vossos guias, que vos pregaram a palavra
de Deus” (Heb 13, 7). Às vezes, trata-se de pessoas simples e próximas de nós, que nos iniciaram
na vida da fé: “Trago à memória a tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Lóide e
na tua mãe Eunice” (2 Tm 1, 5). O crente é, fundamentalmente, “uma pessoa que faz memória”.

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