quarta-feira, 14 de maio de 2014

Evangelii Gaudium

37. São Tomás de Aquino ensinava que, também na mensagem moral da Igreja, há uma hierarquia
nas virtudes e acções que delas procedem. Aqui o que conta é, antes de mais nada, “a fé
que actua pelo amor” (Gal 5, 6). As obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais
perfeita da graça interior do Espírito: “O elemento principal da Nova Lei é a graça do Espírito
Santo, que se manifesta através da fé que opera pelo amor”. Por isso afirma que, relativamente
ao agir exterior, a misericórdia é a maior de todas as virtudes: “Em si mesma, a misericórdia é a
maior das virtudes; na realidade, compete-lhe debruçar-se sobre os outros e – o que mais conta
– remediar as misérias alheias. Ora, isto é tarefa especialmente de quem é superior; é por isso
que se diz que é próprio de Deus usar de misericórdia e é, sobretudo nisto, que se manifesta a
sua omnipotência”.
38. É importante tirar as consequências pastorais desta doutrina conciliar, que recolhe uma antiga
convicção da Igreja. Antes de mais nada, deve-se dizer que, no anúncio do Evangelho, é necessário
que haja uma proporção adequada. Esta reconhece-se na frequência com que se mencionam
alguns temas e nas acentuações postas na pregação. Por exemplo, se um pároco, durante um ano
litúrgico, fala dez vezes sobre a temperança e apenas duas ou três vezes sobre a caridade ou sobre
a justiça, gera-se uma desproporção, acabando obscurecidas precisamente aquelas virtudes que
deveriam estar mais presentes na pregação e na catequese. E o mesmo acontece quando se fala
mais da lei que da graça, mais da Igreja que de Jesus Cristo, mais do Papa que da Palavra de Deus.
39. Tal como existe uma unidade orgânica entre as virtudes que impede de excluir qualquer uma
delas do ideal cristão, assim também nenhuma verdade é negada. Não é preciso mutilar a integridade
da mensagem do Evangelho. Além disso, cada verdade entende-se melhor se a colocarmos
em relação com a totalidade harmoniosa da mensagem cristã: e, neste contexto, todas as verdades
têm a sua própria importância e iluminam-se reciprocamente. Quando a pregação é fiel ao
Evangelho, manifesta-se com clareza a centralidade de algumas verdades e fica claro que a pregação
moral cristã não é uma ética estóica, é mais do que uma ascese, não é uma mera filosofia
prática nem um catálogo de pecados e erros. O Evangelho convida, antes de tudo, a responder
a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar
o bem de todos. Este convite não há-de ser obscurecido em nenhuma circunstância! Todas as
virtudes estão ao serviço desta resposta de amor. Se tal convite não refulge com vigor e fascínio,
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o edifício moral da Igreja corre o risco de se tornar um castelo de cartas, sendo este o nosso pior
perigo; é que, então, não estaremos propriamente a anunciar o Evangelho, mas algumas acentuações
doutrinais ou morais, que derivam de certas opções ideológicas. A mensagem correrá o risco
de perder o seu frescor e já não ter “o perfume do Evangelho”.

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