sexta-feira, 16 de maio de 2014

Eangelii Gaudium

43. No seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes próprios
não directamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da história,
que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja mensagem habitualmente não
é percebida de modo adequado. Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à
transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos
eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força
educativa como canais de vida. São Tomás de Aquino sublinhava que os preceitos dados por Cristo
e pelos Apóstolos ao povo de Deus “são pouquíssimos”. E, citando Santo Agostinho, observava
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que os preceitos adicionados posteriormente pela Igreja se devem exigir com moderação, “para
não tornar pesada a vida aos fiéis” nem transformar a nossa religião numa escravidão, quando
“a misericórdia de Deus quis que fosse livre”. Esta advertência, feita há vários séculos, tem uma
actualidade tremenda. Deveria ser um dos critérios a considerar, quando se pensa numa reforma
da Igreja e da sua pregação que permita realmente chegar a todos.
44. Aliás, tanto os Pastores como todos os fiéis que acompanham os seus irmãos na fé ou num
caminho de abertura a Deus não podem esquecer aquilo que ensina, com muita clareza, o Catecismo
da Igreja Católica: “A imputabilidade e responsabilidade dum acto podem ser diminuídas,
e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas
e outros factores psíquicos ou sociais”.
Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e
paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia.
Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da
misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio
de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correcta
de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A todos deve chegar a
consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que opera misteriosamente em cada pessoa,
para além dos seus defeitos e das suas quedas.

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