terça-feira, 29 de abril de 2014

EVANGELLI GAUDIUM

1. Alegria que se renova e comunica
2. O grande risco do mundo actual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma
tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de
prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses,
deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus,
já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um
risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se
em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este
não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de
Cristo ressuscitado.
3. Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o
seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar
por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este
convite não lhe diz respeito, já que “da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído”. Quem
arrisca, o Senhor não o desilude; e, quando alguém dá um pequeno passo em direcção a Jesus,
descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada. Este é o momento para dizer a
Jesus Cristo: “Senhor, deixei-me enganar, de mil maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou
novamente para renovar a minha aliança convosco. Preciso de Vós. Resgatai-me de novo, Senhor;
aceitai-me mais uma vez nos vossos braços redentores”. Como nos faz bem voltar para Ele, quando
nos perdemos! Insisto uma vez mais: Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos
cansamos de pedir a sua misericórdia. Aquele que nos convidou a perdoar “setenta vezes sete”
(Mt 18, 22) dá-nos o exemplo: Ele perdoa setenta vezes sete. Volta uma vez e outra a carregar-nos
aos seus ombros. Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere.
Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda
e sempre nos pode restituir a alegria. Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos demos
por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do que a sua vida que nos impele para
diante!
4. Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que havia de tornar-se
superabundante nos tempos messiânicos. O profeta Isaías dirige-se ao Messias esperado, saudando-
O com regozijo: “Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo” (9, 2). E anima os habitantes
de Sião a recebê-Lo com cânticos: “Exultai de alegria!» (12, 6). A quem já O avistara no
horizonte, o profeta convida-o a tornar-se mensageiro para os outros: «Sobe a um alto monte,
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arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém” (40, 9). A criação inteira participa nesta
alegria da salvação: “Cantai, ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó
montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo e se compadece dos desamparados” (49, 13).
Zacarias, vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega “humilde, montado num
jumento”: “Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis
que o teu rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso” (9, 9). Mas o convite mais tocante talvez seja
o do profeta Sofonias, que nos mostra o próprio Deus como um centro irradiante de festa e
de alegria, que quer comunicar ao seu povo este júbilo salvífico. Enche-me de vida reler este
texto: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria
por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa” (3, 17).
É a alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida quotidiana, como resposta ao amoroso
convite de Deus nosso Pai: «Meu filho, se tens com quê, trata-te bem (...). Não te prives da felicidade
presente” (Sir 14, 11.14). Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas palavras!

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